Dizem que o universo é mil e uma vezes maior do que qualquer infinito que possamos imaginar. Isto, é claro, sem dúvida alguma, verdade, principalmente para aqueles que ousam olhar para as estrelas da noite e se perguntam o que o manto estrelado esconde de mais precioso. Claro, nós, pessoas comuns, estamos na Terra; temos tempo para contemplar o céu e pensar sobre a vida, o universo e tudo mais. Mas e aqueles que já estão no espaço? Teriam eles tempo para olhar para sua realidade e questioná-la? Esta é a história de uma autointitulada exploradora estelar que se questionou; também é a história de um terráqueo anônimo que, por coincidência (ou não), acabou se envolvendo nessa coisa toda de viagem espacial.

– Um passo de cada vez. – pensou a jovem astronauta enquanto tentava desesperadamente não se desesperar.

Ela sabia o que tinha que fazer, mas, como sempre, falar era fácil. Pior ainda: ela não podia falar. Não podia se dar ao luxo de desperdiçar o tão precioso ar que ainda restava em seu tanque de oxigênio.

Faziam 15 minutos que Kauane estava presa naquele planetinha fedorento, mas só 5 minutos desde que ela havia notado que seu ar limpo estava acabando. Assim que percebeu que estava empacada ali, sem comida ou água, e agora quase sem ar, a missão de exploração logo se transformou em missão de sobrevivência.

Seus pés se moviam mais rápido do que o normal, os movimentos eram precisos – ela sabia que se mexer muito a faria consumir mais oxigênio – e as respirações tinham que ser controladas: nem muito rápidas, nem muito lentas. Tinha que chegar rápido onde a nave tinha caído pra descobrir o que havia quebrado dessa vez, e precisava descobrir AGORA!

Não era a primeira vez que o foguete quebrava no meio do nada, também não seria a última. Um alerta de impacto tinha soado no meio de um vôo tranquilo e quando ela se deu conta já estava caindo e sendo ejetada da nave em um dos módulos de emergência. Kauane era uma exploradora espacial, mas apesar de estar acostumada com as aventuras malucas que o dia a dia no espaço reservava para ela, não era muito divertido quase morrer o tempo todo. Ela quase riu ao lembrar que mais cedo estava entediada na nave, olhando para seus pertences e se perguntando quando realmente ia achar algo que valesse a pena lá fora. Por um segundo longo demais, lembrou de casa, da Terra, e sentiu saudade.

– Foco. – Pensou consigo mesma. Precisava se concentrar agora, não depois de morrer asfixiada no meio do nada!

A jovem engoliu em seco, monitorando o consumo de oxigênio que aparecia na tela do seu traje também danificado. Letras vermelhas garrafais e oscilantes apareciam no seu visor, alertando com urgência: 20 MINUTOS DE OXIGÊNIO RESTANTE. Não tinha tempo a perder. Apressou o passo e tentou não pensar muito em como 20 minutos passavam voando.

Chegando na nave, a menina quase chorou. Uma nuvem de fumaça preta havia se formado a partir de um dos lados amassados do foguete, aquele que provavelmente tinha atingido a grande superfície rochosa do planeta quando ela bateu e caiu. Rapidamente a astronauta se aproximou e, com cuidado, retirou a tampa de metal entortado da onde a fumaça saía, se deparando com uma série de cabos elétricos faiscando, engrenagens desconectadas e outros mecanismos que ela tinha certeza que não tinham aquele formato antes da queda…

Ela sabia o que precisava. Correu para o outro lado da nave e escalou uma escada de mão, encontrando na parte de cima do foguete caído a escotilha de entrada. Tentou abrir, mas a portinha estava emperrada. Forçou uma, duas vezes; na terceira ela chutou com força onde parecia estar mais travado,  conseguindo finalmente fazer a porta ceder. Kauane saltou pra dentro na nave, caiu de pé e foi direto para a escotilha de manutenção pegar o que precisava. Saiu correndo lá pra fora assim que achou a caixa de ferramentas e sua mochila preciosa – que continha nada mais nada menos que um pouco de tudo! Ela sabia que não tinha como consertar a nave sem o que tinha ali.

Os reparos foram executados precisa e rapidamente, ela já tinha feito coisas do tipo mil e uma vezes. Dica do dia: todo astronauta que se preze sempre leva consigo uma boa e confiável fita silver tape. Se alguma manutenção ou reparo der errado, prender as peças junto geralmente resolve o problema – por quanto tempo fica resolvido, aí já é outra história…

A fumaça preta acima da nave começou a se dissipar, subindo e se misturando à atmosfera suja do planeta escuro. Kauane começava a se sentir mais aliviada pelo conserto bem sucedido quando no seu visor uma nova mensagem em letras ainda maiores surgiu: 10 MINUTOS DE OXIGÊNIO RESTANTE!

Ela não pensou duas vezes, correu novamente para dentro da nave, fechou a escotilha atrás de si, e pôs-se a apertar os botões e puxar alavancas para ligar o foguete e, com isso, restaurar a geração de oxigênio interna do foguete que se ligava também ao tanque de seu traje espacial. Assim que a jovem executou o procedimento e puxou a última marcha, as luzes da sala de navegação religaram. O foguete estava vivo e bem. Kauane sorriu, eufórica. Estava sã e salva de novo!

Infelizmente seu sorriso não durou muito. Olhando o visor do traje notou que a barra de visualização do tanque de oxigênio não estava subindo. Ou seja, a nave havia ligado, mas o ar não estava chegando pra ela. Provavelmente algo tinha acontecido com a conexão que ligava a Estação Espacial com o suprimento de oxigênio da nave! Novamente, ela não tinha tempo a perder. 

Resolveu reiniciar manualmente a rede da nave pra forçar a reconexão dos sistemas de integração. Novamente, tentou 3 vezes, falhando em cada uma das tentativas. Algo com certeza não estava certo. Tentou de novo, recapitulando mentalmente o que cada um dos cabos no painel de monitoramento de rede da nave faziam, lembrando cada uma das funções e cada uma das luzes que deveriam brilhar na tela em caso de problemas de conexão do sistema. Nada. Na teoria estava tudo certo: a nave estava conectada, mas o sistema de oxigenação não era habilitado de jeito nenhum!

Kauane se agachou e, em desespero, deitou no chão, abrindo com rapidez a escotilha de manutenção abaixo do prompt de comando e fez uma verificação rápida: Não. Não podia ser! Estava tudo nos conformes, todos os cabos e mecanismos estavam em seus devidos lugares, tudo funcionando perfeitamente. A nave não estava mais avariada, estava tudo… Foi quando de repente um estalo a fez lembrar de outra coisa: Não havia sido só a nave que tinha sofrido danos, seu traje também tinha. O comunicador. Só podia ser isso.

Clicou com força no bracelete automático no pulso, criando bem a sua frente um holograma translúcido em 3D do traje que estava usando. Bingo! Ali estava o problema: o comunicador estava quebrado e sem comunicação nem a nave, nem o traje, receberiam oxigênio da Estação Espacial mãe. Mais uma vez o traje avisou: 05 MINUTOS DE OXIGÊNIO RESTANTE!

A astronauta subitamente gritou, irritada com o montante de coisa quebrada num mesmo dia em menos de 20 minutos!!!

Ela arrancou drasticamente a mochila que ainda estava nas costas e pôs-se a tatear com as mãos o que precisava. Havia muita coisa ali, todas úteis, mas nada que servisse agora. Kauane sabia o que precisava, mas não conseguia achar. Era sempre assim, ARGH!

Num acesso de frustração abriu a mochila e tacou tudo que tinha dentro no chão da nave, espalhando todas as tralhas que tinha em seu precioso mochilão de uma vez. Uma vez que estava tudo visível, rapidamente bateu o olho no que precisava: um radinho de sintonia antigo e meio quebrado – um dos tesouros da Terra que carregara consigo há tempos!

03 MINUTOS DE OXIGÊNIO RESTANTE!

O ar que alcançava os pulmões da astronauta já era fraco. Ela sentia sua cabeça rodar, aturdida pela escassez de oxigênio, mas não podia desistir agora! Com a mão tremendo desmontou as peças do rádio e pegou o que precisava; dois capacitores, um amplificador, pedaços de fios encapados, uma pequena matriz de contato e um mini auto-falante. Era isso. Era tudo o que precisava para arrumar o SEU comunicador. O tempo se esgotava rapidamente, mas o trabalho agora era mais simples, era só desmontar, remontar e…

02 MINUTOS DE OXIGÊNIO RESTANTE!

Voilà! A menina se apoiou numa das paredes da nave, atordoada enquanto testava o comunicador supostamente funcional. O traje atualizou na tela e avisou: Câmara de oxigenação da Estação Espacial Mãe encontrada. Um minuto para restabelecer a rede de conexão.

Meio segundo depois o visor alertou em vermelho gritante:

01 MINUTO DE OXIGÊNIO RESTANTE

Nesse momento Kauane caiu no chão. Ela já não aguentava mais e não havia nada que pudesse fazer. Dependia da conexão ser restabelecida o mais rápido possível e depois, que o tanque de oxigênio enchesse, só aí ela estaria livre para respirar. Não sabia mais se daria tempo. Sentada, exausta, ela lembrou novamente de casa, e se perguntou por que afinal ela estava ali no meio do nada procurando um lugar como seu lar enquanto lá no Sistema Solar ainda havia a Terra, azul, toda perfeita e cheia de ar pra respirar. Neste momento um novo e último alarme soou no visor da astronauta:

MÓDULO RESPIRATÓRIO DESATIVADO EM SEGUNDOS: 10, 9, 8, 7 , 6, 5, 4, 3 ,2 ,1…

Ela fechou os olhos calmamente. Sua aventura tinha finalmente chegado ao fim.

Câmara de oxigenação da Estação Espacial Mãe conectada. Conexão de rede de ambientação restabelecida com sucesso. Enchendo o tanque de oxigênio do traje acoplado – Disse um novo aviso na tela, robótica, curta e fria demais para uma notícia tão boa. Uma lufada de ar repentina atingiu a Astronauta, que já havia esquecido como respirar plena e verdadeiramente.

Ironicamente não importava mais que houvesse ar ali. Aqueles últimos momentos de ansiedade e reflexão acabaram com a jovem. Ainda caída no chão, ela chorava como uma criança. Estava cercada por suas mil e uma bugigangas, sua mochila, pela sala de comando bagunçada, por sua companheira nave, todos os seus pertences e o Universo como espelho da própria existência. Nunca antes havia se sentido tão sozinha e pequena como naquele momento.

Anos e anos nos fizeram alcançar as estrelas, mas a vida no espaço não ficou mais fácil por isso. Nossa astronauta está sozinha há muito tempo e os desafios encontrados no caminho são cada vez mais difíceis e envolvem, no final de tudo, curiosidade e conexão: todos precisamos de um refúgio criado para ser compartilhado.

Você, leitor anônimo, pode ajudar nossa Astronauta. Só precisamos que mande um sinal pelo comunicador e ela saberá de sua intenção em ajudar. Afinal, somos humanos, somos da Terra. Se isso por si só não nos une e não nos motiva, o que mais irá?

 

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